Por Renato Passos
Era sua antítese, um cabrito com quatro rodas. Um Jeep Willys CJ-5, dos anos 50, com capota e para-brisa abaixados. Inverno gelado de Belo Horizonte, no rush do fim da tarde, no qual o vento frio da serra se misturava com o hálito quente do asfalto e dos ônibus urbanos. Embora bem conservado, o jipão não tinha setas sinalizadoras de direção. Eu e meu colega, sentados no banco de trás, éramos os encarregados de sinalizar as mudanças de faixa fugindo e achando brechas no achincalhado trânsito da capital mineira.
O shimmy e as férias era o que mais marcava aquele portento verde-oliva habitado no momento por quatro jovens. Já havia andado em diversos carros até os meus 18 anos de então, mas nada que se assemelhasse a um touro texano prestes a jogar o cowboy para o alto a cada olho-de-gato mal calculado e ultrapassado por cima pelo eixo rígido do Willys. Fiquei feliz por durar mais de sete segundos em cima do mesmo e não ficar estatelado no meio da avenida Amazonas. Era visível a batalha homérica do condutor contra o volante até mesmo na reta.
Qualquer imperfeição que o eixo dianteiro pegasse, o volante tremia e vibrava com vontade, com gosto. A caixa de direção não tinha folga, tinha férias. Tinha total certeza que, para entrar na avenida que estava na perpendicular a 2 quadras, já era necessário virar o volante para esboçar alguma reação do guerreiro. Sem contar a batalha para mantê-lo em linha reta, atrapalhado pela suspensão dura e excessivamente permissiva a movimentos transversais (mais uma vez a história do touro sulista-americano).
Se é pra ser desconfortável, me dá logo um Alfa 33 QV. Ou uma bicicleta bem montada, mas me poupe de coisas desprovidas de prazer.
Deste dia em diante, vi o que a falta total de um bom handling em um carro pode fazer. O prazer de dirigir aquilo ou mesmo de andar era zero. Na hora, pensei na primeira vez em que dirigi um Ford Ka 1.0 Endura, fraco mas extremamente gostoso . Ou então no momento da ultrapassagem enquanto passageiro do Tempra 16v que era o rei lá em casa. Afundar de leve no banco de veludo definitivamente é mais convidativo do que ser lançado para cima insistentemente como no jipe.
O handling é indescritível, entretanto sensível. Incalculável, mas prazeroso. Que me desculpem os burgueses, mas dispensaria facilmente um Maybach 62S em prol de um Honda S2000. Se justifica pelo fato de mexer no âmago da alma, sentir o formato de cada brita do asfalto, sentar-se perto do centro de gravidade, arrancar um sorriso besta. O Ka era mais fraco que um jegue asmático, mas em cada curva ele arrancava uma risada com o canto da boca.
Meu carro é gostoso, bom de curva. Dá vontade de tirar segunda a noite e encarar uma estrada de serra, sozinho. Durante um bom tempo, tive um convívio intenso com o povo português por meio virtual, num fórum automotivo. Desde então, nunca me imaginei num Rolls, nem num Lincoln, longe de um Lexus. Mas um Alfa 33 1.7 16v, com seus carburadores Dell’orto gulosos e barulhentos me chamava muito a atenção, assim como um Golf Mark 2 GTI 16v, um MX-5 NB, um Clio Williams e afins.
Que me desculpe o Tio Sam e seus utilitários, ou os nipônicos com seus compactos racionais. Eu quero mesmo é dirigir me sentindo um jovem após seu primeiro beijo, como quem viu a alma gêmea ou conheceu seu ídolo. Me desculpem os ecologistas e seus meios de locomoção, ou os ricos que não sentam frente ao volante.
Quero é dirigir e ser feliz. E a receita da felicidade passa por uma estrada sinuosa, um Lotus Elise e um álbum com bom rock para depois do passeio. Ta aí um dos segredos da vida.