A história de um Bugatti inferiorizado por alguns e desconhecido por muitos
No mundo dos carros esportivos, muitas marcas povoam o imaginário do grande público. Sejam elas Ferrari, Maserati, Porsche, Mercedes, e mais recentemente representantes como a Pagani. Com a Bugatti não é diferente. Afinal, o aclamadíssimo Veyron se tornou sinônimo de carro de sonho e de superlativo sobre rodas. No entanto, (muito) antes de existir o Veyron, houve um antecessor, que atendia pelo nome de EB 110 SS. Antes de sair falando dessa joia pouco conhecida e apreciada da Bugatti, vale a pena conhecê-la um pouco melhor. E muita gente, ao ler o título desse texto, deve ter pensado de cara que se trata de um antecessor do atual (e monstruoso) Bugatti Veyron. E de certa forma ele é. Mas também não é.
A essas horas você para pensa “Esse cara tá meio zoado. Ou é, ou não é”. Mas calma, tem lá sua explicação. De fato, a Bugatti que existia na criação do EB 110 e a atual Bugatti, totalmente controlada pelo grupo Volkswagen, são empresas quase que diametralmente opostas. No entanto, o EB 110 SS surge como antecessor do Veyron exatamente pela sua proposta, que era de ser o supercarro mais fantástico da sua época, tal qual o Veyron conseguiu nos dias de hoje. E, se naquele tempo o sucesso não foi tanto, hoje ele divide opiniões, sendo tido como um clássico de alta performance por alguns, e um fracasso inferiorizado por outros. Vale ressaltar que eu sou da primeira vertente, que o considera um esportivo surpreendente.
A história desse mito castigado é pra lá de controversa. A Bugatti havia sido comprada por um milionário italiano, chamado Romano Artioli, que não mediu esforços (nem verbas) para fazer um veículo que honrasse o passado glorioso da montadora francoitaliana. Prova disso é que o bólido foi criado por um grupo de engenheiros oriundos de várias fábricas de superesportivos mundiais de renome, como Lotus e Lamborghini (de onde veio o designer Marcello Gandini e as portas tipo tesoura, de abertura vertical) e o intuito deles era tão simples quanto ambicioso: fazer um (super)esportivo “state of the art”, ou seja, um “esporitvo definitivo”. E do empenho desses engenheiros foi criado o EB 110. “EB” vem das iniciais do patrono da marca, Ettore Bugatti, e 110 é uma referência à idade que o homem estaria fazendo na ocasião do lançamento da máquina, ou seja, 110 anos. A máquina seria montada em Modena, na Itália. Coincidência ou não, bem próximo da sede de uma das rivais, a Ferrari.
Um pouco de história
Pra entender o impacto desse carro, voltemos aos anos 90, mais precisamente ao seu início, em 15 de setembro de 1991, data de seu lançamento (e ocasião onde Ettore Bugatti estaria fazendo 110 anos). Era uma época onde o brasil ainda respirava os primeiros anos pós-ditadura militar, a inflação rolava solta, Super Nintendo era videogame de ponta, banda de rock era Nirvana, Fórmula 1 era uma coisa ultra-competitiva (com Ayrton Senna tricampeão naquele ano), Emerson Fittipaldi desbravava os EUA na Fórmula Indy, Zico ainda jogava futebol, o São Paulo era campeão brasileiro mas ainda não tinha conquistado nenhum título mundial e a seleção brasileira era somente tricampeã. Nessa época um carro esportivo de respeito tinha entre 320 e 450 cv. Mas aí veio a Bugatti e apresentou o EB110, com uma obra de arte de 12 cilindros em V, 3,5 litros, 60 válvulas e quatro turbos (!) que desenvolvia nada menos que 561 cv e 62,2 kgfm de torque (!!), levando o carro de 0 a 100 km/h em meros 3,6 segundos e atingindo a máxima de 343 km/h.
Se não bastasse, sua carroceria era de fibra de carbono e alumínio (um dos poucos no seu tempo a usar esses materiais), ajudando a reduzir o peso também. Foi simplesmente o carro mais veloz de seu tempo até a chegada do McLaren F1... E tudo isso porque o motorista (ou seria piloto?!) tinha que lidar com algo chamado “turbolag”. Ou seja, até os 4.000 rpm o motor funcionava sem o vigor máximo, mas a partir disso os turbos entravam em ação e o poder absoluto surgia até a faixa de corte, que chega a mais de 8.000 rpm. Coisas da tecnologia dos motores turbinados do anos 90, que ainda não tinham a completa eficiência da engenharia dos esportivos dos dias atuais, que conseguem render força em baixa rotação e muita potência em alta.
A usina de força
Só que o carro que estamos falando aqui é a versão SS (Sport Stradale), portanto o EB 110 se torna algo mais violento ainda: 611 cv e 65,3 kgfm de torque. Basta falar que são números superiores aos de alguns superesportivos de ponta atuais, como o Porsche Carrera GT, que tem 600 cv, e próximos de um Mercedes SLR McLaren, que tem 626 cv, ou de uma Ferrari 599 GTB Fiorano, que tem 620 cv. E se não bastasse todo esse poder, o carro ainda era 200 kg mais leve que o EB110 “comum”, e tinha aerodinâmica aprimorada, com adoção de uma asa traseira que não havia no modelo original. Em números de performance: 0-100 km/h em 3,2 segundos (14 segundos de 0-200 km/h) e máxima de 355 km/h (e tudo isso com o famigerado “turbo-lag”!!) Simplesmente o tempo que a maioria dos carros fabricados no Brasil ainda está passando dos 100 km/h o Bugatti já passara dos 200 e se encaminhava para os 300. E, numa estrada ou numa pista de corrida, não faria feio frente a concorrentes até quinze anos mais novos, ou mais que isso.
A estabilidade era garantida pelos pneus dublês de rolo-compressor, de medida 245/40 na frente e 325/40 atrás, calçados com rodas aro 18 (em outras palavras, pneus com o dobro da largura de um pneu de um carro comum, calçados com rodas muito maiores). Essas medidas de pneus e rodas, por incrível que pareça, eram comuns aos dois modelos do EB 110. No entanto, o SS possuía a já dita asa traseira, que gerava mais pressão aerodinâmica, auxiliando o veículo a ter mais estabilidade em altas velocidades. Além disso, na parte traseira havia entradas de ar extras, para auxiliar na refrigeração do motor mais potente. Para completar, a diferença mais visível entre os dois ficava nas rodas, que tinham um desenho diferente no SS.
E vale ressaltar que, fora o McLaren F1, não havia esportivo no mundo que fizesse frente ao Bugatti, tanto em performance, quanto em números do motor. Tanto que, como foi dito um pouco acima, até o lançamento do McLaren, o EB110 ficou com o posto de carro mais veloz do mundo, mesmo que por menos de um ano. Mas fora o McLaren F1, não havia concorrente em níveis mundiais para o EB, uma vez que todos aceleravam em mais tempo e tinham velocidades máximas inferiores à dele.
Fim da produção
Razões pelas quais o EB 110 (assim como o SS) não foram pra frente são várias. Uma delas é a falência da Bugatti daquela época, que envolveu seu comprador, Romano Artioli em 1995, e a outra é a qualidade relativamente baixa no acabamento do interior do carro. Se este tinha um determinado luxo, com uma profusão de couro de mais de um tipo por todo interior e alguns detalhes de fibra de carbono (caso do SS, já que o GT possuiía couro e madeira nobre no painel), o mesmo não se pode dizer das linhas do painel, que fazem qualquer Santana 95 do taxista da esquina parecer moderno, bem como outros detalhes do painel, que contrastavam com a proposta mais luxuosa do carro. De certa forma, comparado aos seus rivais diretos da época (Porsche 959, Ferrari F40 e Jaguar XJ220), em termos de interior, o Bugatti era um meio-termo. Não era um carro de corrida adaptado para as ruas, como a F40, mas também não era uma ilha high-tech, como o Porsche, nem um ambiente de requinte, como o XJ220. No entanto, pelo preço cobrado por ele na época (350.000 dólares. Hoje vale uns 100.000 a mais, sem esforço nenhum), esperava-se um esmero maior no interior e no acabamento interno do bólido, ainda mais quando se fala de um Bugatti, sendo isso, somado ao design, algumas das razões que afastaram os compradores, uma vez que nem todos apreciavam o acabamento do interior nem as formas da carroceria do superesportivo.
Estima-se que foram feitos somente 95 unidades do EB 110 (desses, 33 da versão SS, o que o torna um modelo mais raro que o tão falado Veyron!), tendo como um de seus célebres proprietários o heptacampeão da F1, Michael Schumacher. E, após a falência da Bugatti, a preparadora alemã Dauer ainda chegou a lançar alguns EB 110 SS com especificações muito semelhantes ao modelo comercializado pela Bugatti. E anos mais tarde sua mecânica ainda vive (e bem) no esportivo de produção limitada Edonis, da fabricante italiana B. Engineering.
Tão expressivo quanto o seu “sucessor” - o Veyron - o EB 110 SS é uma máquina de performance absoluta, que, de maneira injusta, nem sempre é lembrada no rol dos grandes esportivos da história.
Por Pedro Ivo Faro