O que começou como uma pesquisa minuciosa do V6 famoso da Buick nos levou a uma impressionante história do motor que deu origem à unidade menor. O V8 da Buick é tão famoso e eclético como seu irmão menor, e teve uma vida de mais de 40 anos nos mais diversos modelos. Logo, é um dos mais famosos dentre os motores como oito cilindros em “V”, além de um dos mais fabricados também. Para tal, vamos demonstrar a sua origem e a inesperada reviravolta que ele sofreu.
O Small Block Buick
Em meados dos anos 50, a GM buscava uma linha de novos motores de bom desempenho e de peso menor, de forma tal que a potência por ele gerada não fosse penalizada pelo peso excessivo dos propulsores de então. Em 1952, a Buick fez testes de estrada com um motor de alumínio de 4,15 litros. Nessa época, a ALCOA (Aluminium Company of America) incentivava o uso cada vez mais extenso de alumínio na indústria automobilística. Em meados de 1958, com o projeto mais avançado, a Buick decidiu-se por usar um bloco de alumínio com camisas de ferro fundido devido a lubrificação e refrigeração. A fundição do bloco e dos cabeçotes se dava em matriz de areia, e o problemas dos diferentes coeficientes de dilatação dentre as ligas utilizadas no bloco, pistões e virabrequim foram resolvidas com atuadores hidráulicos.
Em 1961 a Buick lançou um novo V8 de 3,5l, de uso extensivo de alumínio no bloco e no cabeçote. O comando de válvulas estava no bloco, com acionamento por varetas. Tal configuração seria permanente em toda a sua história. À época era o V8 mais leve do mundo, com um peso a seco de apenas 144 kg. Pouco tempo depois, a Oldsmobile e a Pontiac passaram a usá-lo também, embora a Olds tenha o modificado para suprir suas necessidades de forma mais adequada. Na sua estréia, equipando o Buick Special, debitava 150 cv a 4400 rpm (valores brutos, até 1973), que logo cresceria para 155 cv a 4600 rpm e 298 Nm de torque a 2800 rpm, utilizando um carburador de corpo duplo Rochester DualJet. Em seguida, com a taxa de compressão aprimorada passando de 8,8:1 para 10,0:1 e utilizando um carburador de corpo quádruplo, o Buick Special Skylark chegou ao mercado exibindo 185 cv a 4800 rpm e 312 Nm a 2800 rpm.
Para 1962, a versão equipada com carburador de corpo quádruplo teve a taxa de compressão elevada para 10,25:1, elevando a potência e o torque para 190 cv a 4800 rpm e 319 Nm a 2800 rpm, respectivamente. Como se não bastasse, a taxa de compressão foi elevada novamente para 1963 chegando ao patamar de 11,0:1, exibindo números de 200 cv de potência a 5000 rpm e 325 Nm de torque a 3200 rpm, alcançando a espetacular relação para a época de 56,6 cv/l. Para efeito de comparação, o Opala SS de meados dos anos 70 era equipado com um motor de 4,1 litros e 171 cavalos medidos em bruto, perfazendo uma relação de 41,7 cv/l apenas. E tal relação pode ser considerada ainda maior, já que a versão Oldsmobile foi equipada com um turbocompressor e debitava 215 cv no Oldsmobile Cutlass Jetfire de 1962, tornando-se assim o primeiro carro a venda para o consumidor normal equipado com tal equipamento.
Mas, nem tudo eram flores. A porosidade normal do alumínio causava perda de óleo lubrificante e consequentes danos severos ao motor, mostrando que a tecnologia de fundição em alumínio para construções de motores ainda necessitaria de melhoras. Também existia uma incompatibilidade da liga de construção do bloco com o líquido anticongelante dos radiadores dos carros, essencial em períodos frios na América do Norte, além da dificuldade da verificação de trincas no motor, sendo possível essa verificação apenas com 95% do mesmo pronto. Por isso, a linha 1964 já não contaria com o motor de alumínio, após 750 mil unidades construídas.
Enquanto isso, no campo das competições, o V8 Buick foi utilizado pela primeira vez nas 500 milhas de Indianapolis em 1962, quebrando um tabu em vigor desde 1946 da utilização de motores de rua na tradicional competição. O autor de tal façanha foi o lendário Mickey Thompson, e o então estreante Dan Gurney se classificou em oitavo lugar, abandonando após 92 voltas devido a problemas de transmissão. Não obstante, a versão Oldsmobile do propulsor foi retrabalhado pela australiana Repco e equipou o Brabham no campeonato mundial de Fórmula 1 de 1966, do qual foi campeão. Já nas ruas, o V8 tomaria um rumo inesperado.
Nas mãos da Buick, o bloco passava a ser feito de ferro fundido a partir de 1964, e crescia para 5,0l, chegando a oferecer 250 cv a 4800 rpm e 454 Nm a 3000 rpm de potência e torque respectivamente, com uma taxa de compressão de 11,0:1 e carburador de corpo quádruplo. A versão de corpo duplo, que pesava 184 kg a seco, tinha taxa de compressão de 9,0:1 e entregava potência de 210 cv a 4600 rpm e torque de 420 Nm a 2400 rpm. Para 1965, o cabeçote também se tornava de ferro fundido, elevando seu peso a seco para 212 kg. Apesar do acréscimo de massa, o propulsor ainda era um dos V8 mais leves de seu tempo.
Após um rápido crescimento para 5,6l em 1966, entregando até 260 cv na versão mais potente, o motor alcançou seu estágio final com 5,7 em 1968. Embora com a mesma cilindrada do também famoso Small Block Chevrolet, o bloco Buick era mais largo, possuía coletor de admissão maior e era facilmente confundido com a linha de Big Blocks da Chevrolet. Esse motor é tido como extremamente durável e foi fabricado até o fim dos anos 80, equipando até mesmo veículos de fora da GM nos EUA (esse motor é o Dauntless V8 do Jeep Gladiator/Wagoneer).
Entretanto, o projeto original de alumínio e 3,5l ainda existia e era bem aproveitado. Aonde? Na terra de Vossa Majestade, o Reino Unido.
O Rover V8
Em 1963, já com as alterações do Small Block Buick praticamente prontas para o ano posterior, a GM resolveu vender o projeto original do motor para o Rover. O interesse surgiu após o engenheiro chefe da Rover nos EUA, Bill Martin-Hurst, verificar o funcionamento do V8 em um barco e no Buick de um amigo. Era um momento adequado, já que a Rover enfrentava alguns problemas com o seis-em-linha do Rover 2000, nomeadamente alto peso e baixa potência. Enquanto corria atrás da autorização, Bill enviou o Buick de seu amigo para a Rover na Inglaterra, e pedia insistentemente que a equipe de desenvolvimento colocasse o V8 do Buick de seu amigo no lugar do motor de um Rover 2000 comum.
Após irritante espera, o departamento de competições da Rover realizou o engine swap sem grandes dificuldades. Todos que dirigiram o carro ficaram maravilhados com o resultado, mas descobriram que o processo de liberação junto à GM estava parado, já que a direção da Rover encarava a situação como nada mais que uma brincadeira!
A negociação foi concluída em janeiro de 1964, e era a hora de contatar fornecedores e instalar o maquinário. O engenheiro que criou o V8 na Buick, Joe Turley, estava próximo da aposentadoria e ocioso na GM, então fora prontamente levado para a Inglaterra com o intuito de ajudar na adaptação dos motores. Seu problema maior ela torná-lo confiável em uso pleno acima de 5000 rpm, e Turley achou tudo uma loucura por não enxergar como usá-lo dessa forma no uso cotidiano. Mas prontamente mudou de ideia ao andar na rodovia M6 inglesa, acompanhando o fluxo normal a 160 km/h durante o dia inteiro. Muitas mudanças ocorreram na parte inferior do motor envolvendo cárter e mancais, além de um reestudo da cabeça do pistão e dos cabeçotes.
Uma vez adequado, e equipando diversos veículos da Rover, MG, Land Rover, Morgan, TVR, dentre outros, se tornou o V8 mais famoso da história da Inglaterra. Utilizando diversos tipos de alimentação (carburadores SU, Stromberg, injeção eletrônica Lucas e Bosch, e outros modelos além) e com a cilindrada modificada até os 5,0l, equipou veículos esportivos, fora de estrada, pequenos aviões e veículos militares.
A primeira versão do Rover-Buick V8 foi apresentada em 1967 no Rover PB5. Pesando 170 kg a seco, sofreu algumas alterações que o tornavam mais resistente que o projeto original americano. Entregava 158 cv de potência a 5200 rpm e 280 Nm de torque a 2600 rpm com a taxa de compressão de 10,5:1. Com essa capacidade cúbica e aprimorado, foi fabricado até 2004, quando o último Land Rover Discovery 2 saiu da linha de montagem.
Com a cilindrada aplicada para 3,946 cm³ no início dos anos 90, e entregando até 190 cv e 320 Nm (valores líquidos) no Land Rover Range Rover 1995, o motor não parou de crescer. Foi oferecido com 4,2l no Range Rover Classic dos anos 90 utilizando o virabrequim de maior raio de uma malfadada versão diesel do começo dos anos 80, além de estar presentes em TVR e Westfields com diversas modificações visando desempenho até o fim dos anos 2000. Também foi oferecia uma rara versão com 4,4l no Leyland P76 australiano de 1973 a 1975.
A versão com 4,6 litros foi a última da série a ser fabricada, sendo oferecida de 1996 até 2005 no Land Rover Discovery 2. Em sua melhor especificação, entregava 225 cv e 380 Nm. Já versões de 5 litros foram oferecidas pela TVR em seus famosos modelos, além de um acréscimo de cilindrada ter sido comum no Reino Unido, na qual os preparadores pegavam o bloco de 3,5 litros e utilizavam o virabrequim do V8 de 5,0l do Buick 1964, chegando na casa dos 4,4 litros.
Então, entra a parte interessante da coisa: A GM quis comprar o direito do projeto de volta, mas a Rover não cedeu a seus apelos, oferecendo apenas motores prontos. Paralelamente, os engenheiros da Buick procuravam um motor menor, para os modelos de entrada, na mesma época do lançamento do V8. Então, que tal simplesmente cortar 2 cilindros do novo V8, trocar o alumínio por ferro fundido e lançá-lo?
Aí seria o começo da história igualmente conturbada no V6 Buick, mas que será tratada na parte 2! Aguardem! E, em poucos dias, falaremos sobre o V6 Fireball.